segunda-feira, 16 de maio de 2011

cancer e micro rnas


Câncer é uma doença genética complexa relacionada a alterações estruturais e de expressão gênica. Por quase três décadas, a carcinogênese tem sido atribuída a alterações nos oncogenes e genes supressores de tumor. No entanto, com a descoberta de genes que produzem transcritos de RNA não codificantes (ncRNA), ficou evidente a complexidade genômica do câncer, e há evidências que moléculas denominadas microRNAs (miRNA) podem funcionar como genes supressores de tumor e oncogenes. 

Os miRNAs estão envolvidos em processos biológicos cruciais, incluindo desenvolvimento, diferenciação, apoptose e proliferação. Os miRNAs têm  aproximadamente 20 a 22 nucleotídeos, e constituem uma classe de reguladores gênicos que foram identificados em plantas e animais. Eles regulam seu alvo de dois modos que  dependem do grau de complementaridade entre o miRNA e o alvo. Primeiro, o miRNA que se liga com complementaridade perfeita ou quase perfeita a seqüências codificadores de mRNA, induzem a via de interferência  de RNA (RNAi). As cópias de mRNA são clivadas através de ribonucleases no complexo miRISC (multiprotein RNAinduced-silencing complex), o que resulta na degradação do mRNA. O mecanismo de silenciamento genético mediado por miRNA foi encontrado em plantas, e também foi demonstrado em mamíferos. No entanto, acredita-se que a maior parte da interferência do miRNA ocorra por um segundo mecanismo regulatório que não envolve a clivagem dos alvos. O miRNA exerce seus efeitos regulatórios ao ligar-se por complementariedade imperfeira em regiões 3’ não traduzidas (UTRs) do RNAm-alvo, e portanto, inibem a expressão do gene de maneira pós-transcricional, aparentemente ao nível da tradução, por um complexo RISC que é semelhante, ou possivelmente idêntico ao usado na via de RNAi. Resultados recentes indicam que os miRNAs que têm complementaridade parcial com os alvos também podem induzir degradação do mRNA, mas não foi identificado se esta inibição precede a desestabilização dos genes-alvo.

A biogênese dos miRNAs envolve um complexo sistema protéico, que inclui membros da família argonauta, Pol II, e as RNase III Drosha e Dicer. Os miRNAs parecem ser transcritos através da RNA polimerase II, e são inicialmente RNA grandes chamados de pri-miRNAs. Os pri-miRNAs são processados no núcleo pela enzima RNase III (Drosha), e pela proteína dupla-fita (Pasha) em pré-miRNAs, com aproximadamente  70 nucleotídeos que dobram em estruturas com loops imperfeitos. O pre-miRNA é exportado ao citoplasma pelo transportador dependente de GTP, chamado exportin 5 e  sofre um processamento adicional, no qual uma dupla fita de RNA com 22 nucleotídeos chamada miRNA duplex é cortada do pre-mi RNA hairpin por outra RNAse III (Dicer). O miRNA duplex é incorporado ao complexo RISC. A fita miRNA  madura é mantida no complexo miRISC e regula negativamente os seus genes-alvo.

Há cerca de uma década, quando os miRNA foram inicialmente descritos, não foi dada a devida importância, provavelmente pois, o primeiro gene miRNA identificado, o lin-4, foi identificado no Caenorhabditis elegans.  Atualmente, no entanto, centenas de miRNA foram identificados nos genomas de nematodos, moscas e humanos. Estima-se a existência de pelo menos 300 miRNAs (e podem ser mais de 1000) no genoma humano, o que significa entre 1% e 4% dos genes expressos, portanto, o miRNA é uma das maiores classes de reguladores gênicos. A maior parte do miRNA humano está localizado em introns. O miRNA restante fica situado longe de outros transcritos no genoma, entre os exons de genes não codificante ou entre as áreas 3’UTRs, ou estão agrupados em outros genes miRNA, incluindo um agrupamento no cromossomo 19 onde estão localizados 54 miRNAs. Muitos miRNAs são conservados de nematodos a humanos, o que significa que os miRNAs dirigem processos essenciais no desenvolvimento e manutenção do organismo.

O desafio atual é identificar os alvos que são regulados pelos miRNAs. Estudos apontam que um único complexo miRISC pode se ligar à mais de 200 genes-alvo, e estes alvos podem ter funções diversas, tais como fatores de transcrição, receptores e transportadores. Portanto, os  miRNAs controlam a expressão de cerca de um terço do mRNA humano, e a deleção ou alteração na expressão pode contribuir para diversas doenças, incluindo o câncer.

Foi demonstrado que a expressão do Dicer  é menor no câncer de pulmão, e esta redução foi relacionada com menor sobrevida após o tratamento cirúrgico. Como o Dicer está implicado na manutenção da heterocromatina e no silenciamento centromérico, redução nos níveis protéicos pode resultar em instabilidade genômica e no desenvolvimento neoplásico. Entretanto, em um experimento com células de camundongo, a ausência do Dicer não levou a aberrações na estrutura cromossômica, tão pouco a injeção de células com deficiência de Dicer no camundongo não levou ao desenvolvimento tumoral. O papel do Dicer na formação tumoral pode ser indireto e resultar na redução do miRNA no pulmão, onde exerce características de gene supressor de tumor.

As proteínas argonautas, que são componentes fundamentais do complexo RISC, também foram associadas a tumores. Três genes argonautas – AGO3, AGO1 e AGO4, agrupados no cromossomo 1 estão freqüentemente deletados no tumor de Wilms. A AGO1 é expressa em níveis elevados no pulmão e rim em desenvolvimento e, especialemente, nos tumores renais sem o gene WT1. Isto indica um papel do AGO1 na diferenciação destes tecidos durante a embriogênese.

A expressão de miRNA está correlacionada com vários tumores, os genes miRNA podem funcionar como supressores de tumores e oncogenes. Um estudo recente apontou que 50% dos miRNA estão localizadas em áreas do genoma, conhecidas como regiões frágeis (fragile sites). Estas regiões são locais preferenciais para trocas de cromátide, translocações, deleções, amplificações e integração plasmídeos e vírus associados ao câncer, tais como o HPV. Um exemplo é o mir-125b-1, homólogo ao lin-4 da C. elegans, que está localizado no 11q24, considerado uma região frágil que está deletada em um grupo de pacientes com tumores de mama, pulmão, ovário e colo uterino. Também foi descrito um paciente com leucemia linfoblástica de célula pré-B com uma inserção de pre-miRNA no locus da cadeia pesada da imunoglobulina.

Também foi relatado que miR-15a e miR-16-1 regulam negativamente BCL2, um gene anti-apoptose que, geralmente, está superexpressso em diversos tumores, incluindo leucemias e linfomas. Assim, a deleção ou redução na regulação do mir-15a e do mir-16-1 resultam em aumento na expressão de BCL2, promovendo leucemogênese e linfomogênese.

Níveis de miR-143 e miR-145 estão significativamente reduzidos em tumores colorreitais. Os precursores hairpin do miRNA são detectados em quantidades similares nos tecidos normais e tumores, o que indica que o processamento de mir-143 e mir-145 podem estar alterados em amostras tumorais.

Os miRNAs codificados pela família let-7 foram o primeiro grupo identificado de oncomirs que regulam a expressão de um oncogene, especificamente os genes Ras. As proteínas Ras são proteínas de membrana que regulam o crescimento celular e diferenciação. Entre 15% e 30% dos tumores apresentam mutações nos genes Ras, e mutações que resultam no aumento da expressão de Ras levam a transformação celular. Portanto, um miRNA que regula a expressão de proteínas oncogênicas pode alterar a taxa de proliferação celular. Experimentos in vitro com linhagem celular de adenoma de pulmão mostraram que let-7 pode inibir a proliferação celular, e assim pode ser utilizado para tratar câncer de pulmão.

O oncogene MYC, que codifica um fator de transcrição, está geralmente mutado ou amplificado em tumores humanos, e funciona como um regulador do crescimento celular – induzindo proliferação e apoptose. Parece haver uma relação próxima entre os miRNAs e o aumento da expressão de MYC, e isto leva ao desenvolvimento de neoplasias de células B. Por exemplo, uma leucemia de células B agressiva ocorre quando o MYC está translocado no locus mir-142i. Na linhagem celular de célula-B, que tem superexpressão de MYC, o miRNA miR-17-92 funciona como um supressor de tumor, porque sua expressão reduz a expressão de E2F1, e portanto, inibe a proliferação celular mediada por MYC.

O microarray é a técnica mais utilizada para avaliar o nível de expressão de miRNA. em amostras. Outros métodos utilizados envolvem o uso da citometria de fluxo bead-based; real-time PCR; miRAGE (análise SAGE). Com estas técnicas têm sido possível determinar “assinaturas” específicas de miRNA nos tecidos. Pesquisadores têm buscado classificar tumores de acordo com a expressão do miRNAs e definir marcadores de miRNA como fatores prognósticos.

O microarray miRNA e a citometria bead-based envolvem quatro passos principais: identificação do alvo, hibridização do DNA, coloração e detecção do sinal. No microarray 2,5 a 5ug de RNA é submetido a transcriptase reversa e após é realizada hibridização e coloração e leitura para medir a intensidade do sinal (abundância do miRNA). No método bead-based o RNA é fracionado em um gel de poliacrilamida, e recebe um “adaptador” em forma circular (bead) marcado com etiquetas fluorescentes, e na hibridização os círculos são marcadas com probes e ao final, a citometria de fluxo mede a intensidade do sinal (miRNA). No método bead-based, uma vez que a hibridização ocorre em solução e não em uma lâmina, proporciona uma alta especificidade.

Os padrões de expressão de poucos miRNAs (aproximadamente 200 genes) são necessários para classificar tumores. Foi desenvolvido um método baseado em citometria bead-based. Tumores originados de vários tecidos são agrupados com base no padrão de expressão dos miRNAs, o que resulta no agrupamento em linhagem embrionária. Por exemplo, tumores do endotélio, tais como, cólon, fígado, pâncreas e estômago são agrupados.

Os níveis de expressão de muitos genes apresentam grande variação. Estre traço, chamado de fenótipo de expressão gênica tem um componente herdado que foi demonstrado em estudos de agregação familiar. Em um estudo com microarray de células linfoblásticas foi identificado um grupo de genes com variação entre indivíduos, sendo que a variação entre indivíduos não relacionados foi de 3 a 11 vezes maior do que entre gêmeos monozigóticos, e a variação entre irmãos foi de 2 a 5 vezes maior do que entre irmãos. Estes dados sugerem que as diferenças genéticas entre indivíduos contribui para a variação na expressão de alguns genes.

Em razão da função dos miRNAs que tem como alvo várias proteínas, variações germinativas na expressão ou seqüências do miRNA podem predispor ao câncer ao afetar a expressão de genes supressores de tumor ou oncogenes.

Uma proporção significativa de indivíduos são membros de famílias que desenvolvem o mesmo tipo de câncer sem um padrão de herança Mendeliana, ou desenvolvem tipos distintos de câncer. Um exemplo, é a LLC familiar: ainda que mutações nos genes ATM e ARLTS1, além de alterações em miR-15a e miR-16 tenham sido identificadas, a maioria das famílias com LCC não tem genes identificadas.

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