quarta-feira, 1 de junho de 2011

10º fichamento artigo cientifico

A estrutura histórico-conceitual dos programas de pesquisa de Darwin e Lamarck e sua transposição para o ambiente escolar
O presente trabalho tenta estabelecer uma complementaridade teórica entre uma abordagem epistemológica - a metodologia dos programas de pesquisa de Lakatos - e uma psicológico-cognitivista - a teoria dos campos conceituais de Vergnaud - objetivando a compreensão dos programas de pesquisa lamarckiano e darwiniano em seus respectivos campos de validade. Através da análise da estrutura histórico-conceitual dos dois programas e sua transposição para o ambiente escolar, são constatados e discutidos problemas nos livros didáticos de Biologia e na pesquisa atual sobre o conceito de Evolução entre alunos de diversos níveis escolares. Como resultado destas reflexões é apontada a teoria dos campos conceituais como um instrumento analítico frutífero do processo de conceitualização dos sujeitos diante de situações envolvendo processos evolutivos.

9ºpostagem

As teorias de Lamarck e Darwin nos livros didáticos de Biologia no Brasil
A teoria da evolução orgânica do ponto de vista da sua transposição didática, isto é, a transformação do "saber dos sábios", em seu locus de produção, em saber pronto para ser ensinado em contexto escolar (CHEVALLARD, 1985), constitui um dos temas mais controversos da Biologia. De fato, o conceito de evolução mostra-se permeado por obstáculos epistemológicos, de fundo ideológico, filosófico e teológico (BACHELARD, 1996), o que torna sua abordagem em contexto de sala de aula particularmente difícil, tanto no ensino, por parte dos professores, quanto na aprendizagem, por parte dos estudantes. Deve-se enfatizar que a compreensão dos processos evolutivos tem um papel central na conceitualização de todos os temas da Biologia (ALMEIDA, 2007).
Por outro lado, é frequente, nos livros didáticos de Biologia adotados no Brasil, a abordagem do tema como concluído, desprovido de contextualização histórica para a compreensão, por parte dos alunos, de como os conceitos foram desenvolvidos ao longo do tempo.
Jean Baptiste Antoine de Monet de Lamarck (1744-1829) desenvolveu a sua teoria transformista em diversas obras ao longo do tempo, entre as quais: Recherches sur l'organisation des corps vivants (1800); Philosophie zoologique (1809); Histoire naturelle des animaux sans vertèbres (1815), além de palestras e discursos, tais como: Discours d'overture: An VIII (1800), An IX (1801), An X (1802) e An XI (1803) (MARTINS, 1997).
A sua teoria foi desenvolvida numa das épocas mais revolucionárias da história da humanidade, tanto em termos políticos quanto intelectuais: a época da Revolução Francesa. Esse contexto muito provavelmente contribuiu para a ousadia de suas conjecturas (ALMEIDA, 2007; ALMEIDA; DA ROCHA FALCÃO, 2005).
Embora o objetivo central de Lamarck não fosse a evolução orgânica e nem tampouco a origem das espécies, a sua teoria é considerada, pelos historiadores da Biologia, como a primeira explicação sistemática da evolução dos seres vivos. Ele pode ser considerado o fundador do transformismo (CORSI, 1994).
Segundo Martins (1998), a ideia da "progressão" das espécies começou a aparecer nas diferentes obras de Lamarck, a partir de 1800. De acordo com essa ideia, para que ocorresse a variação das espécies, haveria a necessidade de mudanças nas circunstâncias a que os animais estavam expostos durante um período de tempo considerável. Todo esse processo seria regido pelas quatro leis: 1) A tendência para o aumento da complexidade: A vida, pelas suas próprias forças, tende continuamente a aumentar o volume de todo o corpo que a possui, e a estender as dimensões de suas partes, até um limite que lhe é próprio. Esta lei indica que existe um aumento progressivo da complexidade e aperfeiçoamento. Lamarck acreditava na existência de um poder inerente à vida, dotado de uma tendência para o aumento da complexidade. Ele procurou fundamentar esta lei com dois tipos de fatos: um observável e outro não. O fato observável era uma comparação feita entre o estado de um animal em sua origem com o que se encontrava no fim da sua vida, e o não observável, era uma relação existente entre o aumento da complexidade na escala animal, dos invertebrados mais simples ao homem, e o aumento das faculdades dos corpos vivos na evolução histórica das espécies; 2) O surgimento de órgãos em função de necessidades que se fazem sentir e que se mantêm: a produção de um novo órgão em um corpo animal resulta de uma nova necessidade que surgiu e que continua a se fazer sentir e de um novo movimento que essa necessidade faz nascer e mantém. Isto era bem mais difícil de conceber do que o desenvolvimento de um órgão que já existe. Esta mesma ideia apareceu em diversas de suas publicações, ora com o status de lei, ora como proposição, ora como uma "consideração importante"; 3) O desenvolvimento ou atrofia de órgãos como função do seu emprego: o desenvolvimento dos órgãos e sua força de ação estão em relação direta com o emprego desses órgãos. Esta seria a famosa "lei do uso e desuso", que teve a sua formulação mais completa no seu Discours d´ouverture de 1806. Para exemplificar esta lei, entre outros exemplos, Lamarck citou o famoso exemplo do alongamento do pescoço das girafas, dando origem à má interpretação e descrições equivocadas da sua teoria; 4) A herança do adquirido: Tudo o que foi adquirido, traçado ou mudado na organização dos indivíduos, no decorrer de sua vida, é conservado pela geração e transmitido aos novos indivíduos que provêm daqueles que experimentaram essas mudanças. Desde que essas mudanças adquiridas sejam comuns aos dois sexos, ou àqueles que produziram esses novos indivíduos. Ao contrário da lei "do uso e desuso", que foi apresentada com um grande número de exemplos, Lamarck expôs esta lei rapidamente, não julgando que ela merecesse uma maior atenção. Por ironia, diversas vezes, a sua teoria tem sido reduzida nos termos desta formulação. Segundo Martins (1997), esta ideia não era original e vinha sendo aceita desde a antiguidade, tendo aparecido com Hipócrates e muitos naturalistas antes de Lamarck, até em Spencer e no próprio Darwin.
O contexto histórico das teorias de Lamarck e Darwin permite-nos compreender que os dois programas de pesquisa, nos seus campos de validade temporal, se caracterizaram por áreas teóricas comuns não descontínuas, de onde emergiram historicamente tradições de pesquisa diferentes. A ruptura teórica se deu entre o lamarckismo e o neodarwinismo, que está muito distante do darwinismo original de Darwin (ALMEIDA, 2007).
As atuais controvérsias da evolução há muito não incidem mais sobre o lamarckismo e o darwinismo. Se, por um lado, a evolução ascendeu à condição de paradigma teórico dominante da Biologia, por outro, restaram algumas questões relevantes e não esgotadas, como: o verdadeiro papel da seleção natural no processo evolutivo, a explicação do surgimento das espécies, o papel das teorias epigenéticas da evolução, o problema da mudança evolutiva sob uma perspectiva centrada na auto-organização, isto é, na Biologia evolutiva do desenvolvimento (Evo-Devo), a sociobiologia e o debate entre o neodarwinismo e o chamado "criacionismo científico". Isto nos permite concluir que, do ponto de vista lakatosiano, o programa de pesquisa neodarwinista entrou em crise há algumas décadas. Nessa ordem de ideias, embora as teorias do seu núcleo firme não tenham sido ainda questionadas, as teorias e hipóteses do seu cinturão protetor estão sob intenso questionamento empírico e teórico, sendo o gradualismo contínuo dos processos evolutivos, por exemplo, alvo de críticas dos defensores da perspectiva do equilíbrio pontuado .

8º fichamento

O conceito de natureza em A origem das espécies
A questão motriz em A origem das espécies por seleção natural é para Charles Darwin, a tentativa de lançar alguma luz sobre o mistério da origem das espécies, mostrando como isso ocorre. Ao analisar a obra, deparamo-nos com uma dada visão de natureza que sustenta e esclarece nossa busca. Neste artigo, examinaremos essa visão e seus significados epistemológico e ontológico para a investigação a que Darwin se propõe. Em que medida foi importante para a sustentação de sua tese de que a seleção natural é o mais importante — ainda que não exclusivo — meio de modificação, o poder de mudança predominante, o princípio da natureza segundo o qual novas espécies se originam. Ao analisar as definições e múltiplas conotações existentes para 'natureza' no livro, encontramos uma necessária articulação entre natureza e seleção natural, visível na concepção darwiniana de luta pela existência e refletida na estrutura lógico-conceitual da obra.

7º fichamento


Charles Darwin: um observador do desenvolvimento humano
Reconhecido como geólogo e naturalista, sentia que tinha uma reputação a zelar. Gozava da estima pública, era considerado pela comunidade científica internacional e temia que a publicação de suas conclusões sobre a "transmutação da vida", teoria claramente concebida em 1839, o ligassem aos ateístas, socialistas e materialistas. Descrevia suas ideias, aos amigos fiéis, como "um crime".
Em 1851, já abalado pelo falecimento do pai, viu suas crenças num universo justo e moral ruir com a morte precoce de sua muito amada filha mais velha, Annie. Seu cristianismo, que já vinha sendo colocado à prova pela suas viagens, suas observações e seus estudos, desmoronou totalmente e ele assumiu sua descrença.
Concomitantemente, ares mais liberais começavam a soprar sobre a Inglaterra vitoriana, com uma legião de novos cientistas decididos a construir uma ciência livre e independente, desvinculada dos dogmas religiosos. Influenciado pelos novos ares, Darwin decidiu começar a escrever seu "Ensaio preliminar" (14 de março de 1856), adiando a decisão sobre sua publicação.
Origins of Species veio a público em 1859, após 13 meses e dez dias de escrita intensiva (Darwin, 2000) e vinte anos de observações, reflexões, silêncio e tormentos, com pequenas sugestões sobre as origens do homem. Os 1.500 exemplares da primeira edição esgotaram-se rapidamente, novas edições foram providenciadas e em pouco tempo seu livro foi traduzido para mais de seis idiomas, ganhando o público leigo, as ruas e as salas de visitas, sendo discutido e debatido por naturalistas e intelectuais.
Já seguro do crescimento da liberalidade inglesa e constatando a aceitação de sua teoria sobre a evolução das espécies, Darwin organizou suas notas e publicou, em 1871 "Descendência do homem e a seleção sexual", um tratado sobre a origem do homem, a seleção sexual, as leis da variação e da hereditariedade. Fazia parte do projeto deste livro um pequeno ensaio que, ao ser organizado, tornou-se um outro livro, igualmente extenso A expressão das emoções no homem e nos animais, publicado em 1872. Desta forma, a obra de Darwin, após The Origins of Species irá gradualmente se concentrar sobre a origem do homem e sobre a evolução da mente, do comportamento e das emoções, tanto do homem como de outros animais próximos do humano (Ruse, 2009).
Ao atentar de forma científica para a natureza evolutiva do comportamento, Darwin chamou a atenção para o fato de que comportamentos e padrões motores são características tão confiáveis e conservadas nas espécies quanto os órgãos e músculos, devendo ser submetidos às mesmas leis de transmissão hereditária, seleção e mutação.
No artigo por nós traduzido, Darwin utiliza-se de anotações de observações de seus filhos pequenos, especialmente seu filho mais velho, William Erasmus (Doddy). Estudando o filhote humano, a partir de seu enfoque naturalista, Darwin descreve os primeiros indicativos comportamentais de emoções tais como raiva e medo, curiosidade e senso moral, o brincar e o prazer envolvido nesta atividade, a capacidade de imitação e os primeiros indícios daquilo que hoje conhecemos como teoria da mente. Colocando-se questões sobre as capacidades do bebê, como eles aprendem e como se comunicam, e levantando hipóteses sobre possíveis significados de certos comportamentos, questões ainda hoje fundamentais para o estudo do desenvolvimento humano, o artigo "Um esboço biográfico de uma criança pequena" demonstra o pioneirismo deste grande cientista no estudo do bebê e da criança pequena, numa época na qual as capacidades dos bebês eram extremamente subestimadas e desconsideradas.
Charles Darwin faleceu em 19 de abril de 1882, aparentemente de ataque cardíaco. Considerado o maior cientista inglês desde Isaac Newton, foi enterrado na célebre Abadia de Westminster.

6º fichamento

Os dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para a sistemática biológica
Imagine um almoço em família, pai, mãe e irmãos sentados à mesa à espera do prato principal: um suculento assado de dinossauro, recheado com azeitonas e acompanhado de batatas douradas e arroz. Essa cena seria perfeitamente cabível em um filme, um desenho animado como os Flinstones, ou na literatura (por exemplo, "O mundo perdido", de sir Arthur Conan Doyle). Faz parte do senso comum o reconhecimento de que os dinossauros já estavam extintos muito antes do aparecimento do primeiro primata - não há registros fósseis desses "lagartos terríveis" desde o final do Cretáceo, último período geológico do Mesozóico, findado há aproximadamente 65 milhões de anos. Não havia mamíferos de grande porte nessa época e os poucos encontrados assemelham-se a diminutos camundongos. A cena, entretanto, é real e corriqueira, especialmente considerando as reuniões familiares de domingo.
A solução do aparente paradoxo temporal proposto acima começa com a delimitação do grupo biológico considerado, que se apóia nos fundamentos da teoria da evolução de Charles Darwin (1858, 1859) e Alfred Russel Wallace (2003 [1858]) e na sistemática filogenética de Willi Hennig (1950, 1965, 1966). O grupo Dinosauria é composto pelo ancestral comum mais recente dos grandes "répteis terríveis", juntamente com todos os seus descendentes. Entre os descendentes dessa linhagem, que inclui animais como o Tyranossaurus, o Velociraptor, o Stegosaurus, o Galimimus e o Microraptor, estão também o Archaeopteryx e todas as demais aves, das extintas às recentes (cf. Dingus & Rowe, 1998; Brochu, 2001). Estudos de biologia comparada mostram que as aves correspondem a um grupo derivado de um outro grupo de répteis terópodes, aqueles pequenos dinossauros bípedes e leves, cujas reconstituições em filmes, tais como "Parque dos dinossauros", remetem a emas ou avestruzes locomovendo-se com rapidez. Assim, pombos, galinhas, maritacas, papagaios e ararinhas-azuis, mais do que descendentes de dinossauros, são eles próprios componentes do grupo - aves nada mais são do que dinossauros que sobreviveram à extinção do Cretáceo-Terciário, marcadora do final do Mesozóico (cf. Benton, 1995). Seguindo esse raciocínio, portanto, não se pode considerar os Dinosauria como um grupo extinto de animais. Algumas das suas espécies foram realmente engolidas pelo tempo e não podem mais ser encontradas. Outras, no entanto, compartilham ancestrais com grupos que permanecem na biota atual.
Organizar e classificar são atividades comuns na vida humana, presentes desde a disposição de livros em uma estante de biblioteca até a delimitação de correntes de pensamento e seus seguidores, passando pela tabela periódica dos elementos químicos e pelas listas de classificação dos campeonatos de futebol. Na biologia, a ciência da classificação é chamada "sistemática". Ela reúne o estudo da diversidade orgânica e dos aspectos históricos da evolução, com base em métodos e práticas de descrição, nomenclatura e organização da diversidade dos organismos viventes e extintos.
Não há como estabelecer com exatidão a cronologia da sistemática desde sua origem até os tempos atuais, posto que a atividade se confunde com o próprio desenvolvimento da linguagem, do conhecimento e do pensamento humano (cf. Nelson & Platnick, 1981; Mayr, 1982). Em linhas gerais, pode-se depreender que o início da sistemática deu-se com o desejo do homem de sumarizar a informação da diversidade biológica que ele podia observar, delimitando classes para este ou aquele grupo de organismos, e identificar entre esses grupos quais tinham existência real (e, portanto, poderiam ser considerados grupos naturais de fato) e quais não passavam de criação da sua própria mente (os grupos não-naturais ou artificiais). Parece claro que existem características em comum que permitem reunir sapos, peixes, gatos e corujas (afinal, todos têm vértebras), mas o que dizer de um grupo formado por baleias, tubarões, insetos aquáticos, vitórias-régias, águas-vivas e arqueobactérias extremófilas? Apesar de todos esses organismos apresentarem ao menos parte dos seus ciclos de vida na água, não há nenhum tipo de conexão ou relação natural entre todos os seus componentes que possibilite considerá-los um grupo real, além daquela óbvia que mostra que todos são seres vivos. É esse o maior problema e o objetivo central de qualquer estudo em sistemática biológica (cf. Nelson & Platnick, 1981; Mayr, 1982; Hull, 1988; Rieppel, 2005). De Aristóteles a Hennig, entremeados por Caesalpino, Buffon, Linnaeus, Lamarck, Darwin, Wallace, Mayr, Simpson e muitos outros, sempre se buscou criar maneiras de organizar o conhecimento da diversidade biológica de forma a representar algum tipo de afinidade natural entre os componentes dos grupos criados.


5º fichamento


Instinto e razão na natureza humana, segundo Hume e Darwin
O interesse principal desta discussão é examinar alguns pontos de semelhança conceitual entre David Hume e Charles Darwin, no que toca a alguns temas da teoria do conhecimento, muito particularmente aquele que diz respeito à manifestação de certos poderes ou capacidades da mente humana para o conhecimento das regularidades naturais. Pode-se, desse modo, fazer uma discussão da filosofia de Hume integrada ao debate epistemológico contemporâneo ou, no mínimo, fazer uma leitura contemporânea da filosofia de Hume. Estamos, obviamente, pensando aqui na corrente denominada desde há alguns anos de epistemologia evolutiva, que tem declaradamente a obra de Darwin e o darwinismo, em um panorama mais amplo, como a sua maior fonte de inspiração.
Uma das propostas recentemente formuladas para explicar o conhecimento, que faz uso proveitoso do sucesso dos métodos investigativos empregados nas ciências particulares, é conhecida como epistemologia evolutiva,1 ou epistemologia da seleção natural, que se desenvolve a partir de uma consideração atenta de certas realizações importantes da ciência moderna, principalmente da teoria da evolução por seleção natural desenvolvida no século xix por Charles Darwin. E uma das principais feições desta epistemologia é a de considerar a seleção natural como um modelo de explicação fundamental para a compreensão do caráter e do relativo sucesso nas diversas tentativas de produzir conhecimento.
Muitos autores nas últimas décadas têm-se dedicado a pesquisar o conhecimento nos moldes oferecidos pela epistemologia evolutiva. Podemos mencionar aqui a obra de Karl Popper (1959, 1975), Donald Campbell (1974), Michael Ruse (1986, 1995) e David Hull (1975), como referências na pesquisa sobre o tema, o qual atingiu tal diversidade que podemos falar, sem receio, de versões diferentes do que seria a epistemologia evolutiva. De modo geral, uma caracterização bastante aceita seria aquela feita por Donald Campbell:
Uma epistemologia evolutiva será, no mínimo, uma epistemologia que toma a cognição como compatível com o estatuto do homem como um produto da evolução biológica e social [...]. Uma tal epistemologia tem sido negligenciada nas tradições filosóficas dominantes"
Charles Darwin, em sua obra A origem das espécies (1859), desenvolveu uma complexa estrutura argumentativa, combinando relatos de observações com hipóteses e suas conseqüências. Como ele mesmo afirmou em sua conclusão, "todo este volume é um longo argumento" (Darwin, 1952 [1859], p. 230), cuja intenção é convencer a comunidade intelectual de seu tempo de duas concepções fundamentais da história da vida.
As duas concepções que Darwin pretendeu provar em seu livro são, primeiro, a de que as diversas espécies atuais descendem de umas poucas outras espécies que existiam no passado, ou seja, de que as espécies podem evoluir, dando origem a novas espécies distintas. E segundo, que a explicação para este fenômeno é o mecanismo de reprodução com variação e sobrevivência do mais adaptado, chamado por ele e pela posteridade de seleção natural (cf. Gould, 1999).
Como resultado dos processos de reprodução dos seres vivos, deve haver competição por alimento, espaço e outros recursos. Nessa competição, qualquer pequena variação favorável representa uma melhor adaptação, e uma melhor chance de perpetuação do ser vivo. Darwin foi original ao compreender que o princípio de luta pela vida pode não ser somente uma força limitadora, mas também uma força mantenedora da estabilidade dos seres e reuniu suas conclusões em um longo argumento, que muitos autores comparam com uma "demonstração geométrica" (Flew, 1978, p. 8). Muito mais que isso, Darwin entendeu que o processo de crescente variedade e imensa diversidade observada no mundo natural pode ter o próprio princípio de seleção como sua causa. Ele tentou reunir o maior número de dados de que foi capaz, incluindo informações sobre o registro geológico da Terra, e dar a esses dados uma explicação compatível com sua hipótese fundada na seleção natural.
O que se pode tirar como conclusão, entre outras coisas, é que, enquanto historiador natural, Darwin mantém idéias epistemológicas da tradição corrente em sua época, dentre as quais não se encontrava o naturalismo epistemológico de Hume. O pensamento de Hume é nitidamente uma reação à corrente tradicional que considerava a razão especulativa como o principal elemento na produção do conhecimento. A teoria do hábito como formador das crenças causais não tinha sido reconhecida, de maneira ampla, pela comunidade intelectual de que Darwin fazia parte,2 muito embora se possa conjeturar que o autor de A origem das espécies seria simpático à interpretação naturalista que se tem feito mais atualmente da teoria humeana do conhecimento – sobretudo a respeito do conhecimento basear-se em princípios naturais.
Independentemente do que se possa conjeturar, diversos estudiosos utilizaram a pesquisa de Darwin como um panorama conceitual a partir do qual entender a teoria do conhecimento, em sua relação com a seleção natural. O lugar do homem no mundo natural, tal como Darwin pretendia vê-lo, foi, assim, o ponto de partida declarado de muitas das atualmente denominadas epistemologias evolutivas, ou da seleção natural. Fora isso, a interpretação exclusivamente biológica da seleção natural, frente a uma mais ampla interpretação cosmológica, ainda é um ponto de controvérsia. Parece que o próprio Darwin não pretendia ser tão rígido a esse respeito, visto que não nega expressamente, em nenhum momento, a possibilidade de se aplicar a seleção natural a outros domínios. Pelo contrário, é possível que Darwin entrevisse a aplicabilidade do modelo de seleção natural para a explicação de questões fora do assunto das espécies vivas.