Os dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para a sistemática biológica
Imagine um almoço em família, pai, mãe e irmãos sentados à mesa à espera do prato principal: um suculento assado de dinossauro, recheado com azeitonas e acompanhado de batatas douradas e arroz. Essa cena seria perfeitamente cabível em um filme, um desenho animado como os Flinstones, ou na literatura (por exemplo, "O mundo perdido", de sir Arthur Conan Doyle). Faz parte do senso comum o reconhecimento de que os dinossauros já estavam extintos muito antes do aparecimento do primeiro primata - não há registros fósseis desses "lagartos terríveis" desde o final do Cretáceo, último período geológico do Mesozóico, findado há aproximadamente 65 milhões de anos. Não havia mamíferos de grande porte nessa época e os poucos encontrados assemelham-se a diminutos camundongos. A cena, entretanto, é real e corriqueira, especialmente considerando as reuniões familiares de domingo.
A solução do aparente paradoxo temporal proposto acima começa com a delimitação do grupo biológico considerado, que se apóia nos fundamentos da teoria da evolução de Charles Darwin (1858, 1859) e Alfred Russel Wallace (2003 [1858]) e na sistemática filogenética de Willi Hennig (1950, 1965, 1966). O grupo Dinosauria é composto pelo ancestral comum mais recente dos grandes "répteis terríveis", juntamente com todos os seus descendentes. Entre os descendentes dessa linhagem, que inclui animais como o Tyranossaurus, o Velociraptor, o Stegosaurus, o Galimimus e o Microraptor, estão também o Archaeopteryx e todas as demais aves, das extintas às recentes (cf. Dingus & Rowe, 1998; Brochu, 2001). Estudos de biologia comparada mostram que as aves correspondem a um grupo derivado de um outro grupo de répteis terópodes, aqueles pequenos dinossauros bípedes e leves, cujas reconstituições em filmes, tais como "Parque dos dinossauros", remetem a emas ou avestruzes locomovendo-se com rapidez. Assim, pombos, galinhas, maritacas, papagaios e ararinhas-azuis, mais do que descendentes de dinossauros, são eles próprios componentes do grupo - aves nada mais são do que dinossauros que sobreviveram à extinção do Cretáceo-Terciário, marcadora do final do Mesozóico (cf. Benton, 1995). Seguindo esse raciocínio, portanto, não se pode considerar os Dinosauria como um grupo extinto de animais. Algumas das suas espécies foram realmente engolidas pelo tempo e não podem mais ser encontradas. Outras, no entanto, compartilham ancestrais com grupos que permanecem na biota atual.
Organizar e classificar são atividades comuns na vida humana, presentes desde a disposição de livros em uma estante de biblioteca até a delimitação de correntes de pensamento e seus seguidores, passando pela tabela periódica dos elementos químicos e pelas listas de classificação dos campeonatos de futebol. Na biologia, a ciência da classificação é chamada "sistemática". Ela reúne o estudo da diversidade orgânica e dos aspectos históricos da evolução, com base em métodos e práticas de descrição, nomenclatura e organização da diversidade dos organismos viventes e extintos.
Não há como estabelecer com exatidão a cronologia da sistemática desde sua origem até os tempos atuais, posto que a atividade se confunde com o próprio desenvolvimento da linguagem, do conhecimento e do pensamento humano (cf. Nelson & Platnick, 1981; Mayr, 1982). Em linhas gerais, pode-se depreender que o início da sistemática deu-se com o desejo do homem de sumarizar a informação da diversidade biológica que ele podia observar, delimitando classes para este ou aquele grupo de organismos, e identificar entre esses grupos quais tinham existência real (e, portanto, poderiam ser considerados grupos naturais de fato) e quais não passavam de criação da sua própria mente (os grupos não-naturais ou artificiais). Parece claro que existem características em comum que permitem reunir sapos, peixes, gatos e corujas (afinal, todos têm vértebras), mas o que dizer de um grupo formado por baleias, tubarões, insetos aquáticos, vitórias-régias, águas-vivas e arqueobactérias extremófilas? Apesar de todos esses organismos apresentarem ao menos parte dos seus ciclos de vida na água, não há nenhum tipo de conexão ou relação natural entre todos os seus componentes que possibilite considerá-los um grupo real, além daquela óbvia que mostra que todos são seres vivos. É esse o maior problema e o objetivo central de qualquer estudo em sistemática biológica (cf. Nelson & Platnick, 1981; Mayr, 1982; Hull, 1988; Rieppel, 2005). De Aristóteles a Hennig, entremeados por Caesalpino, Buffon, Linnaeus, Lamarck, Darwin, Wallace, Mayr, Simpson e muitos outros, sempre se buscou criar maneiras de organizar o conhecimento da diversidade biológica de forma a representar algum tipo de afinidade natural entre os componentes dos grupos criados.
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