quarta-feira, 1 de junho de 2011

4º fichamento artigocientifico


Os modos da teleologia em Cuvier, Darwin e Claude Bernard

Como Russell (1916, p. 34) tem sublinhado, e apesar de que, conforme acabamos de ver, a formulação do princípio das condições de existência aluda, de certo modo, ao entorno dos organismos (cf. Grimoult, 1998, p. 15; Lopez Piñero, 1992, p. 23), as condições externas de existência, o ambiente, não são fatores muito considerados no pensamento de Cuvier. Nas análises funcionais das estruturas anatômicas que encontramos em seus textos, o entorno nunca chega a ser um entorno ecológico concreto, mas qualquer coisa genérica como podem ser um meio aquático ou terrestre, ou uma dieta herbívora ou carnívora.
Por isso, e indo um pouco além de Russell (1916, p. 43; 1948, p. 286 n.), podemos dizer que Darwin não somente fez um uso restritivo da noção de condições de existência, mas acabou também por desvirtuar essa noção. Em A origem das espécies, na única referência que se faz ao princípio formulado por Cuvier, a expressão em questão é usada como equivalente a condições do ambiente (Darwin, 1859, p. 206). No entanto, para Cuvier, as condições de existência têm a ver, antes de mais nada, com a condição de possibilidade de um ser vivo considerado em si mesmo como um todo coerente e harmônico, ou organizado; e isso se faz evidente quando, num pequeno escrito sobre as analogias zoológicas (cf. Coleman, 1964, p. 189-90), a idéia de condições de existência aparece vinculada à idéia de não-contradição: "todas as combinações que são não-contraditórias são possíveis; em outras palavras, tudo aquilo que tem uma condição de existência, cujas partes cooperam numa ação comum, é possível."
Darwin, de sua parte, "tomou a expressão 'condições de existência' para significar as 'condições ambientais' e considerou a lei das condições de existência como a lei da adaptação ao ambiente" (Russell, 1916, p. 239). Mas, como o próprio Russell aponta, não era isso o que Cuvier entendia por tais expressões: em O reino animal, elas são introduzidas para aludir à "coordenação das partes na formação do todo" (cf. Lenoir, 1982, p. 63). Para Darwin, no entanto, as condições de existência, que ele torna homólogas das condições de vida, têm somente a ver com as contingências da luta pela sobrevivência.
Voltamos assim a nossa oposição inicial entre as duas teleologias: a de Kant ou Bernard, e a de Darwin. Porém, ao fazer isso, não podemos deixar de notar algo que tem a ver com o modo pelo qual se vinculam ambas as formas de adequação a fim. Referimo-nos, especificamente, ao fato de que, dentro da biologia contemporânea, a teleologia darwiniana é, em certo sentido, o fundamento ou a razão de ser da teleologia intra-orgânica. É que, mesmo sem esquecer que o fisiólogo e o biólogo funcional não precisam, em geral, nem da idéia de seleção natural, nem da idéia de um projeto divino para dizer que a função do coração é bombear o sangue;3 se nos perguntamos sobre como é possível que existam seres cujas partes ou totalidade sejam meios e fins ao mesmo tempo, talvez, a única forma, permitida pela ciência atual, de levantar e responder essa pergunta seja aquela proposta por Darwin.

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